15 de jul. de 2012

Desenvolvimento Humano: Segunda Infância

SEGUNDA INFÂNCIA

A inteligência simbólica e o conhecimento dos 3 aos 6 anos

A respeito da linguagem, Piaget declarou que quando os substantivos e adjetivos começam a funcionar adequadamente dentro do contexto das frases, o indivíduo já domina de forma adequada as classes e as relações.
No período simbólico as classes são intuitivas, portanto, inacabadas. Um bebê que combinou os esquemas de olhar, pegar, sentir a lisura do pêlo e a agudeza das garras de um gato, que ouviu o som “miau”, pode interiorizar estas ações na forma de imagem ou esboço do real. Porém, quando disser “miau”, refere-se apenas ao gato com o qual realizou a exploração ativa, e não a qualquer gato (conceito).
Isto porque, nas palavras de Piaget, “A imagem mental continua sendo de ordem íntima e é precisamente porque diz respeito somente ao indivíduo e apenas serve para traduzir as experiências particulares”. Esta imagem serve, portanto, para assimilar objetos ou conjunto de objetos que guardam uma semelhança com aquele que ensejou a sua construção, como na ilustração a seguir.

Construção do esquema simbólico e aparecimento do pensamento egocêntrico

Quando o sujeito evoca imagens de objetos ou de seqüência de acontecimentos, as representações aparecem no plano consciente de forma imediata e num fluxo ininterrupto – sincretismo – ou uma após a outra – justaposição. Em nenhuma destas situações o pensamento consegue aprisionar, simultaneamente, duas ou mais imagens para tentar acomodação e assimilação recíproca entre elas e, assim, chegar à síntese mental.
A este respeito, Piaget afirmou que enquanto os adultos constroem conceitos como produtos de adição e multiplicações como estes: “Se os objetos que estão em movimento têm força (como os riachos) e se os objetos resistentes têm também força (como um escolho) o conceito de força resultará da adição lógica destas diversas classes: ‘objetos animados’ pó força = ‘objetos em movimento’ + ‘objetos resistentes’ + ... etc.”, as crianças não adicionam estes fatores ou classes de objetos. Elas consideram estes fatores alternadamente, sem somá-los, e por isso não chegam à compreensão e definição do conceito “forte”. Mesmo quando aparecem dois fatores no campo consciente, um ao lado do outro, ambos permanecem justapostos, não permitindo a síntese conceitual, pois o pensamento ainda não é reversível.
Quando o indivíduo enfrenta um objeto novo, pode atuar de duas maneiras: construir uma imagem original deste objeto, acomodando-se a ele através de um conjunto de ações sensório-motoras – predomínio da acomodação sobre a assimilação – ou fazer o objeto entrar à força nos esquemas disponíveis, fundindo a imagem recente com a antiga num todo incoerente – sincretismo. Neste caso, deforma os gestos e pensamentos antigos em função das coisas recentes – predomínio da assimilação sobre a acomodação.
Tal conduta acontece porque a criança não consegue dissociar seu eu das ações vividas e representadas para acomodá-las ao novo, e faz uma assimilação imediata dos elementos originados do real.
Piaget descreveu este fato dizendo que quando foi perguntado a uma criança por que as nuvens se mexem, ela respondeu, aos 4 anos e 3 meses: “Elas se mexem sozinhas, porque são vivas”. Aos 4 anos e 10 meses: “A nuvens se mexem porque faz frio. Elas vêm quando faz frio. Quando há sol, elas não estão aqui. Quando faz frio elas voltam”.
Neste exemplo, pode-se notar que os esquemas assimilativos antigos, produtos de experiências passadas ligadas ao eu – sensação de movimento e de frio experimentadas pela própria criança -, tendem a assimilar os elementos atuais sem uma acomodação correspondente a eles. Há uma espécie de fusão dos esquemas, resultando num pensamento incoerente (egocêntrico).
A indissociação do eu não ocorre apenas em relação ao objeto físico, mas também em relação ao objeto humano. Existe, na verdade, confusão entre o eu e o outro. No intercâmbio social, o adulto é considerado como um ser poderoso que penetra no pensamento e na intimidade das crianças, conhecendo seus desejos e intenções.
Os pares ou companheiros da criança também não se dissociam do eu infantil, mas entre ela e seus pares há semelhanças relativas ao saber e ao poder, por isso, o sistema de trocas sociais é favorecido.
Mas enquanto no início da fase simbólica a linguagem é incoerente e não tem o poder de gerar conflitos, levando a criança à busca de acomodação e de equilíbrio completo, no final dessa fase a vida social gera choques que levam à acomodação e à assimilação entre o eu e o outro. Dessa forma, o intercâmbio social contribuirá, a partir dos 6-7 anos, para tornar reversíveis os processos mentais e fazer surgir o raciocínio lógico.

O egocentrismo

O egocentrismo como visão do mudo a partir da perspectiva pessoal constitui característica do pensamento simbólico e da linguagem que o expressa, principalmente nos primeiros anos do período representativo.
Para Piaget, o indivíduo, no seu espírito egocêntrico, assimila tudo a si ao seu ponto de vista próprio. Ele não toma consciência clara ao pensamento e não tem sentimento do eu como algo separado do outro. Portanto, o pensamento e a linguagem estão centrados no eu, mais a serviço das suas necessidades subjetivas e afetivas, do que da verdade.
O egocentrismo manifesta-se em vários planos: intelectual, social, lingüístico, moral etc. Alguns tipos de egocentrismo:

Egocentrismo intelectual
Ao estudar o início da fase simbólica, Piaget concluiu que a criança representa o mundo e suas relações – causalidade – dentro de uma perspectiva pessoal. Os objetos e eventos têm finalidades, qualidades e intenções semelhantes Às do homem. O finalismo, animismo e artificialismo são formas deste egocentrismo causal.

Finalismo – Nos primeiros anos da infância, o mundo pessoal se confunde com o mundo-objeto. Os fenômenos não existem ao acaso ou sem vinculação com o próprio homem, mas existem para.
Piaget, em várias obras, ilustra o finalismo através de exemplos extraídos de diálogos com as crianças, utilizando a pergunta “por quê?” como fio condutor dessas conversas. Mediante a questão: “Por que o lago de Genebra não vai até Berna?”, a criança responde: “Há um grande Salève para os grandes passeios e para os adultos, e um pequeno Salève para os pequenos passeios e para as crianças e o lago de Genebra não chega até Berna, porque cada cidade deve ter o seu lago”.
Observamos, através de perguntas como essas, que a criança aprende o mundo da seguinte maneira:
·         Como lhe parece – o lago é grande para os passeios grandes;
·         Em função de suas necessidades – o lago existe para os passeios;
·         Com obrigações semelhantes às suas próprias obrigações – cada cidade deve ter o seu lago.

            Animismo – As impressões interiores do sujeito, como os sentimentos, os esforços, a consciência da intencionalidade e outras peculiaridades são projetadas sobre os objetos inertes, movimentos físicos, animais.
            Estas impressões constituem esquemas de assimilação, que são aplicados no mundo exterior em razão de uma analogia imediata e subjetiva e sem uma acomodação adequada ao real.
            A criança explica os fenômenos físicos utilizando conhecimentos que tem de si própria, advindos de:
·         Sua experiência pessoal com seu próprio corpo – “As nuvens se movem porque são empurradas”;
·         De sua intencionalidade – “O automóvel se move porque ele sabe o que faz”;
·         De sua moralidade – “Os barcos flutuam porque devem flutuar” etc.
           
            Artificialismo – Como a criança já dispõe da atividade de seu próprio eu para explicar o mundo, acredita que todas as coisas foram feitas pelo homem ou por uma entidade poderosa e divina. São inúmeras as afirmações encontradas em conversas infantis, que ilustram este fenômeno: “Penso que é o céu que faz a lua”; ou “As pedras nascem dos lagos”; ou ainda “As pequenas cobaias são feitas pela mamãe”.
            Piaget explicou o artificialismo declarando que há uma assimilação contínua  dos processos naturais à atividade humana.
O egocentrismo intelectual, nas suas várias manifestações, começa a declinar aos 5 anos, mais ou menos, quando o pensamento anuncia as articulações próprias ao pensamento operatório.
Nesta fase, o pensamento intuitivo assegura uma passagem para uma forma superior de pensamento “(...) graças a uma equilibração progressiva da assimilação com uma acomodação generalizada, deixando assim a primeira de ser direta e a segunda de ser imagística, para tenderem ambas na direção do esquema geral e reversível”.
            A partir de então, o equilíbrio entre a acomodação e a assimilação, no plano representativo, começa a garantir a adaptação infantil.

                Egocentrismo social

            Neste tipo de egocentrismo, a criança é atraída para as pessoas, mas no seu relacionamento com elas não consegue dissociar o seu eu do outro, estabelecendo um intercâmbio social através da linguagem.
            De acordo com Piaget, no pensamento adaptado, quando um indivíduo conversa com outro, ele diferencia seu próprio pensamento do outro e fala em função das expectativas do receptor da mensagem; age sobre seu interlocutor fazendo-lhe perguntas, dando-lhe informações ou fazendo-lhe pedidos.
            Estas características não são encontradas, comumente, nas conversas de crianças muito pequenas antes (dos 6-7 anos), seja com seus pares, seja com adultos. A linguagem das crianças desta faixa de idade pode ser de três tipos: repetição, monólogo a dois ou monólogo coletivo.
            Repetição (ecolalia) – Caracteriza os primeiros meses de vida, época em que a criança repete sons, imita sílabas e palavras, embora estas não tenham significado para ela. Nessa repetição ou jogo, há uma confusão do eu e do não-eu entre a atividade do próprio corpo e do corpo de outra pessoa.
            Piaget narra exemplos de ecolalia como este: enquanto a professora ensina a MY a palavra celulóide, Leu continua trabalhando no seu desenho em outra mesa, repetindo: lulóide... lulóide...etc.
            Monólogo – Comum na fase simbólica, na qual a criança já usa a linguagem, mas sem função social.
O monólogo não comunica o pensamento de quem fala a outra pessoa, mas simplesmente acompanha, reforça ou suplementa a ação. O interlocutor é uma espécie de dinamizador da ação.
            A criança sente-se acompanhada por outra pessoa, quando gesticula ou pensa, e este sentimento de presença lhe basta. São exemplos de monólogo as falas de Leu, que está instalado numa mesa sem companhia e diz: “Eu quero fazer aquele desenho... Quero fazer alguma coisa para desenhar. Era preciso um papel grande para isso”. Leu termina o desenho e fala: “Agora vou fazer outra coisa qualquer”.
            Monólogo coletivo – Frequentemente num período mais avançado do desenvolvimento infantil.
            Piaget considera o monólogo coletivo como uma forma de linguagem egocêntrica, mais próxima da linguagem social pois “(...) junta ao prazer de falar o de monologar diante dos outros e de atrair, ou acreditar atrair, o interesse destes sobre sua própria ação e seu próprio pensamento”.
            O autor acrescenta que a criança não consegue, ainda, fazer-se ouvir pelos interlocutores, porque não se dirige a eles realmente, mas fala para si mesma diante do outros, como no caso que segue.
            Leu, embora use o eu, apenas pensa em voz alta sobre a ação que executa, sem comunicar-se com ninguém. Leu, com outros colegas, numa mesa onde costuma trabalhar: “Eu já tinha feito a lua, agora vou ter de trocá-la”. Ou, ainda, brincando: “Eu tenho um fuzil para matá-lo. Eu sou o capitão, a cavalo. Eu tenho um cavalo e um fuzil”.
            Na faixa dos 5-6 anos, a linguagem socializada começa a manifestar-se através das ordens, súplicas e ameaças, críticas e zombarias. Mas essas formas de expressão atendem mais a necessidades pessoais. As perguntas e respostas, embora permitindo um sistema incipiente de interação social, também resolvem necessidades mais de ordem afetiva – motivos, intenções etc. – do que necessidades de trocas intelectuais.
            A conversa entre a criança e o adulto não implica necessariamente a dissociação completa do eu da criança em relação ao eu do adulto. Porém estas crianças já podem fazer uma separação entre as duas pessoas envolvidas na conversa. O adulto é concebido com uma vontade poderosa e uma inteligência superior, com quem não se pode trocar idéias porque ele sabe o que a criança pensa.
            A conversa de uma criança com outra criança pode favorecer a dissociação do eu de ambas e, portanto, a reciprocidade. Isto ocorre porque no relacionamento social dos pares não existe o perigo de um penetrar na intimidade dos desejos e dos pensamentos do outro, como pode ocorrer no caso do adulto.
            A cooperação entre iguais pode favorecer a saída do egocentrismo social, o que pode ser conseguido, também, através do relacionamento da criança com o adulto “(...) quando uma educação conveniente de uns e de outros consegue relegar a segundo plano os fatores autoridade e superioridade”, no entender de Piaget.

            Egocentrismo da linguagem

            O egocentrismo da linguagem aparece de forma mais acentuada dos 2 aos 4 anos, quando a criança é capaz de designar grande número de eventos e de objetos através da linguagem. Esta, entretanto, é marcado pelo sincretismo e pela justaposição.
            Tais processos são conseqüência da falta de síntese mental – adição e multiplicação lógicas – e são responsáveis pelo aparecimento dos pré-conceitos e raciocínios transdutivos.
            No plano verbalizado, por exemplo, a criança não consegue hierarquizar suas significações e acaba fazendo apenas uma justaposição das mesmas. Deixa, assim, de ligá-la através de preposições ou de conjunções esperadas e passa a coloca-la umas ao lado das outras, como no exemplo: “Vou São Paulo, chego Rio, encontro ônibus”; ou passa a reunir as significações através de uma ligação e ou depois, que é simplesmente repetida: “Vou são Paulo e chego Rio e encontro ônibus” etc.
            Piaget assim se expressou: “(...) ao imitar um dia um fenômeno A e no dia seguinte o fenômeno B, a criança renuncia a assimilá-los entre si”. Isto explica por que a criança reproduz com certa exatidão a seqüência de fenômenos ou ações que vê, mas não sintetiza o conjunto das imagens formadas, para chegar a uma interpretação ou compreensão do real.
            O decréscimo do egocentrismo infantil vai depender do processo maturacional e da experiência com o objeto físico e social. Se o egocentrismo acontece porque as representações – ações interiorizadas – são pouco coordenadas ou irreversíveis, seu declínio vai depender de um início de combinação destas representações.
            Quando isto acontece, a criança começa a ser atraída para as coisas em suas transformações e passa a descentrar o seu eu das suas experiências passadas, para centrar-se nas coisas atuais captando essas transformações.
            A partir desse momento, os pais e educadores podem cooperar para a queda do egocentrismo, fornecendo às crianças contato com a natureza (plantas, animais etc.) e com material concreto em sala de aula, para desenhar, brincar, construir casas, torres, carros etc., de modo que este possa ser ordenado espacialmente, na forma de coleções, de séries etc.
            Esses materiais podem ser dispostos de forma tal, que permitam às crianças juntar suas ações às de outras, iniciando um sistema de trocas no plano material e das ações (emprestar, tomar, brigar etc.).
            Estas trocas – dar e receber, ir e voltar etc. – produzirão, posteriormente, interações no plano do pensamento, com auxílio da linguagem: dar e receber informações, centrar no outro e em si mesmo etc. Neste sentido, o relacionamento das crianças com seus companheiros, mais que com adulto, facilitará o decréscimo do egocentrismo.
            O relacionamento com o adulto, principalmente com o professor, dentro de um contexto de escola tradicional onde a autoridade e o saber emanam totalmente do mestre, não enriquece a criança e pode retardar sua autonomia do ponto de vista social e moral. Ao invés de contrapor suas normas e valores pessoais aos dos outros (autonomia) continua assimilando as normas e os valores dos outros (heteronomia).
            No plano intelectual, as informações verbalizadas ou com auxílio de recursos audiovisuais, gravuras em cartazes, murais, flanelógrafos, podem mais dificultar que facilitar o desenvolvimento e a aprendizagem.
            Para Piaget, a linguagem – sistema de significados genéricos ou de signos verbais – não é codificada pela criança, e a imagem – representação figurativa – só tem sentido quando a criança constrói. Assim, pouco adianta o professor explicar o que é neve, por exemplo, ou mostrar gravuras de neve caindo, se seu aluno não experienciou esta realidade nem algo semelhante a ela. Por isso, o professor deve atuar criando condições para que seus alunos estejam motivados a agir sobre o mundo físico e social, supervisionando a ação e fornecendo os apoios necessários.

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